sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Por que donos de empresas geralmente pagam menos impostos do que seus funcionários no Brasil

 


"Eu, como CEO da companhia, pago menos imposto do que um operador de caixa da minha empresa. Isso é uma vergonha." Foi com essa comparação que o empresário Sergio Zimerman defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, uma reforma do sistema tributário brasileiro.


Com o exemplo pessoal, o fundador da rede de pet shops Petz argumentava que a ênfase na cobrança de impostos sobre o consumo — em vez da renda ou do patrimônio, por exemplo — concentra riqueza.


De fato, os mais pobres no Brasil pagam proporcionalmente mais impostos do que os mais ricos. Essa é uma dinâmica que vai no sentido contrário do que diz a Constituição, segundo a qual, "sempre que possível, os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte" (Artigo 145). Ou seja, quem ganha mais deveria pagar mais.


Tributação concentrada no consumo

Em 2021, o governo arrecadou R$ 2,94 trilhões em impostos. A maior parte, 43,5%, veio da cobrança de tributos sobre bens e serviços.


Um montante de R$ 1,28 trilhão, incluídos aí os tributos cobrados pelas três esferas: municipal (ISS), estadual (ICMS) e federal (IPI, PIS/Cofins).


A ênfase do sistema tributário brasileiro em impostos sobre o consumo é típica de países com baixo desenvolvimento socioeconômico, explica a professora de direito tributário da Universidade de Leeds Rita de la Feria.


"Os países com nível de desenvolvimento mais alto tendem a dar mais importância à tributação sobre a renda dos indivíduos", ela destaca.


Para efeito de comparação, os impostos sobre bens e serviços representam em média 32% da arrecadação total entre os membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma fatia mais de 10 pontos percentuais menor do que no Brasil.


Uma das razões para a divergência, segundo a especialista, está no fato de que os países com nível mais baixo de desenvolvimento, que geralmente têm uma parcela grande da população com renda muito baixa, têm um universo mais restrito de contribuintes para imposto sobre a renda.


Outro motivo vem da complexidade da tributação da renda. Muitas nações em desenvolvimento têm uma administração tributária muito pequena e pouco desenvolvida e, por isso, dão preferência à tributação do consumo, cuja implementação é mais fácil.


"Mas esse não é o caso do Brasil", frisa a especialista. "A administração tributária no Brasil é muito desenvolvida. Talvez por conta da legislação tributária ser tão ruim, o país teve de se adaptar e aperfeiçoar a administração", completa.


A opção de tributar mais o consumo do que a renda tem um efeito prático direto sobre a desigualdade: ele pesa mais sobre os mais pobres. No jargão dos especialistas, é uma modalidade considerada "regressiva" - os impostos "progressivos", por sua vez, são aqueles que contribuem para reduzir a desigualdade.





O peso da tributação indireta sobre os mais pobres

Um exemplo prático: um brasileiro que recebe um salário mínimo por mês e um milionário que compram um xampu de R$ 20 em um supermercado pagam os mesmos 44,2% em impostos sobre o valor do produto, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Nessa situação, em proporção da renda mensal, o mais pobre desembolsa mais do que o mais rico.


A distorção fica visível em trabalhos como o publicado neste ano pelos pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Felipe Moraes Cornelio, Theo Ribas Palomo, Fernando Gaiger Silveira e Marcelo Resende Tonon.


O cálculo do impacto da incidência desses impostos sobre a renda das famílias mostra que os 10% mais pobres pagam o equivalente a 21,2% da renda em "tributos indiretos".


Para os 10% mais ricos, os tributos indiretos representam um percentual significativamente menor da renda total, 7,8%, levando em consideração a renda familiar per capita.


Ricos também pagam menos imposto de renda

Parte da regressividade da tributação sobre o consumo é compensada pelo imposto de renda. Como ele incide proporcionalmente sobre os ganhos dos contribuintes, quem ganha mais, paga mais.


Com um porém: no Brasil, a alíquota efetiva (ou seja, o percentual da renda que de fato é tributado) cresce à medida que a renda aumenta, mas apenas até a faixa entre 20 e 30 salários mínimos. Daí pra frente, quanto mais rico, menor o valor pago de imposto de renda.


Isso porque as empresas podem fazer uma série de deduções e exclusões para diminuir o montante que serve de base para o cálculo do imposto. E não raro utilizam uma série de benefícios legais, uma prática que tem contribuído para aumentar ainda mais a distância entre o chamado lucro societário, aquele apurado pela contabilidade da empresa, e o lucro tributário, diz Falcão.


Para ele, a isenção da tributação de lucros e dividendos, adotada em poucos países e vigente no Brasil desde 1996, ajuda a inverter a lógica que deveria balizar a tributação do imposto de renda.


"Aqueles que têm maior capacidade econômica e, portanto, maior capacidade contributiva, deveriam pagar mais. Nos países mais desenvolvidos, a tributação é progressiva, no Brasil, ela é regressiva."


A tributação de lucros e dividendos também foi defendida por Lula durante a campanha, assim como o aumento do limite para isenção do pagamento de imposto de renda dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 5.000,00.


- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63559616

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